Uma antiga espécie humana com características semelhantes às de um “hobbit”, que habitou a ilha indonésia de Flores até cerca de 50.000 anos atrás, continua a fascinar os pesquisadores por diversas razões.
Primeiramente descoberta em uma exploração notável há quase 21 anos, o Homo floresiensis, nome científico da espécie extinta, desafiou a noção de que a evolução humana ocorre de forma linear, dos seres primitivos até os mais complexos.
Ainda há incertezas sobre as razões pelas quais o Homo floresiensis — popularmente conhecido como “hobbit” em referência aos personagens criados por J.R.R. Tolkien — desenvolveu um corpo tão diminuto, mesmo sabendo que viveu há relativamente pouco tempo, como ele atravessou grandes extensões oceânicas para chegar à ilha de Flores, onde se insere na árvore genealógica humana e os motivos de sua extinção.
Uma nova análise de fósseis do Homo floresiensis, divulgada na terça-feira na revista Nature Communications, busca oferecer respostas a algumas dessas perguntas sobre este pequeno ser humano. Os restos estudados incluem um fragmento de úmero — a parte inferior do osso do braço — e dois dentes encontrados em uma localidade conhecida como Mata Menge, um dos poucos locais na ilha de Flores onde fósseis da espécie foram localizados.
Os pesquisadores afirmaram que suas descobertas corroboram uma teoria já existente que sugere que os “hobbits” evoluíram para ter um tamanho reduzido há muito tempo, sendo provavelmente uma versão anã do Homo erectus, o primeiro humano primitivo a deixar a África há aproximadamente 1,9 milhão de anos, apresentando características corporais e postura ereta semelhantes às dos humanos modernos. Restos do Homo erectus foram descobertos na ilha de Java e em diversas regiões da Ásia, além da África.
A equipe científica acredita que os primeiros humanos se isolaram na ilha há cerca de um milhão de anos e passaram por uma redução dramática em seu tamanho corpóreo ao longo de aproximadamente 300.000 anos. Essa diminuição é um fenômeno observado em outras espécies em ilhas remotas, como resposta a recursos limitados, destacaram os pesquisadores.
“Talvez não houvesse necessidade de um corpo maior, que consumiria mais alimentos e exigiria mais tempo para crescer e reproduzir”, comentou Yousuke Kaifu, autor principal do estudo e professor da Universidade de Tóquio, em e-mail. “A ilha isolada de Flores carecia de predadores mamíferos e outras espécies de hominídeos, portanto, a pequena estatura era vantajosa.”
A partir das estimativas do comprimento do osso, a equipe determinou que a altura do indivíduo seria de cerca de 100 centímetros. Os dentes encontrados na mesma área, embora menores, mostraram uma “grande similaridade” com os dentes do Homo erectus encontrados em Java.
A análise digital da estrutura do osso indicou que este pertencia a um adulto, e não a uma criança. O úmero completo teria entre 21,1 e 22 centímetros de comprimento, tornando-se o menor fóssil de membro humano já documentado.
A camada de sedimentos que abrigava os fósseis foi datada em pesquisas anteriores para cerca de 700.000 anos.
Novas revelações sobre o Homo floresiensis
Esse “hobbit” primitivo era seis centímetros menor que o espécime original de Homo floresiensis, um esqueleto quase completo encontrado na caverna de Liang Bua — situada a cerca de 75 quilômetros a oeste de Mata Menge em 2003 — que foi datado em aproximadamente 60.000 anos atrás. A caverna de Liang Bua é o único outro local onde fósseis de “hobbits” foram encontrados.
A diferença de tamanho entre os dois espécimes pode sinalizar variação natural, semelhante ao que ocorre nas populações humanas atuais, destacaram os autores. No geral, a pesquisa sugere que o pequeno porte da espécie permaneceu notavelmente constante por um longo período.
Os novos achados analisados, além de outros dentes, um fragmento de mandíbula e crânio recuperados anteriormente no mesmo local, representam quatro indivíduos da espécie “hobbit”. Junto com os fósseis mais recentes de Liang Bua, eles sugerem que esses pequenos humanos eram capazes de sobreviver na ilha, mesmo frente a predadores como dragões de Komodo de três metros e crocodilos.
“A redução corporal inicial significativa e a subsequente estabilidade no tamanho indicaram que ter uma estatura menor nessa ilha isolada foi benéfico para a sobrevivência desses humanos primitivos”, afirmaram os autores do estudo em comunicado.
O “hobbit”, juntamente com a identificação de outros dois hominídeos de tamanho pequeno que viveram em períodos relativamente recentes — Homo naledi na África do Sul e Homo luzonensis nas Filipinas — além dos muito maiores Denisovanos, levaram a uma aceitação mais ampla entre os paleoantropólogos de que diversas espécies humanas coexistiram, incluindo várias que dividiram o ambiente com a nossa própria espécie, Homo sapiens.
Antes da descoberta do Homo floresiensis, muitos especialistas em evolução humana postulavam que apenas uma espécie humana havia evoluído ao longo do tempo, incluindo variações regionais.
A origem dos “hobbits”
Nem todos os cientistas concordam com a interpretação do estudo que defende que o Homo erectus de grande porte era o ancestral do Homo floresiensis, sugerindo que o “hobbit” representa uma versão reduzida do Homo erectus. Gerrit van den Bergh, coautor e professor sênior do Centro de Ciência Arqueológica da Universidade de Wollongong, na Austrália, argumentou sobre isso.
Devido à sua pequena caixa craniana e a ossos do pulso similares aos dos chimpanzés, o “hobbit” pode estar mais intimamente relacionado com hominídeos de menor porte, como o Homo habilis, conhecido apenas na África, conforme afirmaram outros cientistas.
Matt Tocheri, presidente de pesquisa em origens humanas da Universidade Lakehead em Ontário, Canadá, expressou suas dúvidas quanto à ideia de que o “hobbit” seria uma versão reduzida do Homo erectus.
“Estou de acordo que as evidências sugerem que hominídeos de menor porte estavam presentes em Flores há pelo menos 700.000 anos. Mas por que isso teria que significar que seus ancestrais diretos que chegaram à ilha eram maiores?” questionou Tocheri, também associado ao Programa de Origens Humanas do Instituto Smithsonian.
“Acredito que essa questão permanece sem solução e continuará sendo um foco de investigação por um tempo.”
Van den Bergh explicou que os restos do “hobbit” encontrados em Mata Menge foram coletados entre 2014 e 2016. Contudo, o úmero estava em fragmentos e não foi reconhecido imediatamente. Um dos coautores do estudo fez a reconstrução cuidadosa mais tarde.
“Os fósseis foram encontrados em arenito duro”, relatou van den Bergh via e-mail. “Fomos obrigados a usar ferramentas de metal e martelos para quebrar os sedimentos, resultando em alguns fósseis sendo recuperados em diversos pedaços.”
Para esclarecer o debate sobre as origens do “hobbit”, seriam necessários restos de hominídeos em Flores datados do período de sua chegada à ilha, há pouco mais de 1 milhão de anos, tanto van den Bergh quanto Tocheri concordaram.
Quando o “hobbit” foi descoberto pela primeira vez, algumas vozes na comunidade científica sugeriram que os ossos poderiam pertencer a um humano moderno com um distúrbio de crescimento — como microcefalia, que resulta em uma cabeça desproporcionalmente pequena, corpo diminuto e certas limitações cognitivas. Tal alegação provocou um intenso debate, mas desde então foi amplamente refutada.
O estudo não encontrou qualquer indício de doença no úmero.
“Cada pequeno fragmento de Homo floresiensis ou de qualquer outro hominídeo é de suma importância”, ressaltou Tocheri. “Esses fósseis fornecem uma visão única sobre o nosso passado evolutivo compartilhado. Sem eles, estaríamos sem referências do que ocorreu anteriormente.”