Leslie Swan, por sua própria admissão, não é uma grande auto-promotora, mas isso não é um problema, já que seu currículo fala por si. Ao longo de seus 28 anos na Nintendo, ela foi creditada em dezenas de jogos como gerente de localização, participando de praticamente todos os títulos principais da franquia Zelda, de Majora’s Mask a Majora’s Mask 3D, além de jogos como Animal Crossing e WarioWare.
Swan se juntou à Nintendo of America em 1988, em uma época em que a empresa ainda era vista como um ponto de marketing e distribuição para seus proprietários japoneses. No início, ela fazia pequenos trabalhos de edição aqui e ali, até que se juntou a Nintendo Power como escritora e editora. Nesse papel, ela foi responsável por diversas tarefas, desde organizar competições malucas da revista até escrever sobre os lançamentos mais quentes e colaborar no quadrinho Super Mario Adventures. Contudo, o que a maioria das pessoas a reconhece mesmo é seu papel como Princesa Peach em Super Mario 64, que, segundo ela, aconteceu quase por acaso, já que ela era a única mulher que falava inglês na Nintendo EAD na época.
Recentemente, tivemos a oportunidade de conversar com Swan para saber mais sobre sua carreira incrível na Nintendo, desde sua entrada na companhia até como a Princesa Peach ajudou Animal Crossing em sua jornada difícil para o Ocidente. Confira nossa conversa abaixo (edição leve e condensada para clareza e comprimento):
Retrogamer Brasil: Primeiramente, como você conseguiu seu emprego na Nintendo?
Swan: Eu era professora de inglês em uma escola de ensino médio em uma cidade pequena. Me casei recentemente e meu marido e eu nos mudamos para a área de Seattle depois que o ano letivo já havia começado, então eu precisava de um emprego temporário até as contratações do ano seguinte começarem. Enquanto procurava empregos, vi um anúncio da Nintendo e pensei: "Por que não?", já que prometi ao meu marido que tentaria qualquer coisa. Quando fui lá, eles me ofereceram um trabalho no serviço ao consumidor e, na primeira semana, eu e alguns outros recém-contratados passamos a semana jogando Zelda, só para garantir que conseguíssemos jogar um videogame. Essa foi minha introdução ao mundo da Nintendo.
Retrogamer Brasil: E depois disso, você trabalhou na revista Nintendo Power. Como essa transição aconteceu e qual foi seu papel na revista?
Swan: Quando comecei na Nintendo, a Nintendo Power ainda não existia. Mais tarde, quando a revista começou, a editora Gail Tilden me convidou para fazer algumas edições, e eu concordei. Após alguns meses editando, recebi a proposta de me tornar escritora/editora da revista. Assim, comecei bem cedo no Nintendo Power, que exigia que jogássemos jogos o tempo todo, e claro, acabei me viciando e adorando aquilo. Gail fazia o trabalho na revista ser extremamente divertido. Também participei de várias competições e viagens loucas, e no começo não era responsabilidade minha, mas depois disso se tornou uma das minhas funções. Eu estava não só garantindo que os prazos fossem cumpridos, mas também organizando um concurso todo mês. Lembro de voltar para casa algumas noites e contar ao meu marido sobre o meu dia, e ele apenas ria, dizendo: "Você está sendo paga por isso?"
Retrogamer Brasil: Além das competições, você também esteve envolvida com a revista em quadrinhos do Super Mario Bros. que foi publicada na Nintendo Power. Como foi essa experiência?
Swan: Sim, eu escrevi em inglês para aquilo e, olhando para trás, é difícil para a maioria das pessoas acreditar como era o nosso processo na época. Não tínhamos e-mail, então não podíamos ficar trocando mensagens e imagens. Trabalhávamos com esboços muito rudimentares que eram enviados por fax, com diálogos em japonês que eram difíceis de ler. Tínhamos uma assistente bilíngue que me ajudava a entender as cenas. Muitas vezes, os esboços eram tão rudimentares que não dava para saber quem estava no quadro, e eu tinha que tentar escrever o que acreditava ser a tradução.
Retrogamer Brasil: Olhando para o passado, qual você acredita que foi o valor de ter algo como a Nintendo Power para uma empresa como a Nintendo naquela época?
Swan: Foi um momento muito diferente, antes da internet, quando ninguém tinha acesso a informações sobre jogos online. Não haviam outras publicações. Quando começamos, as crianças realmente viam a Nintendo Power como o lugar para obter informações sobre jogos. Obviamente, revistas como EGM vieram depois, e conheci muitos que trabalharam nelas, mas no início éramos o único meio. Curiosamente, quando mais tarde contratei escritores e tradutores para localização, muitos deles começaram a ler a Nintendo Power; era quase uma religião para eles. Eles diziam: "Eu aguardava todo mês meu exemplar na caixa de correio."
Retrogamer Brasil: Depois, você trabalhou efetivamente com a localização na Nintendo. Você se lembra de quando começou a trabalhar diretamente com os jogos? Dizem que você esteve envolvida com A Link to the Past. Isso é verdade?
Swan: Fiz algumas edições nesse projeto, mas foi antes de eu me mudar para a área de localização. Na época, eu tinha experiência em edição e fui chamada para muitos projetos, mas o escritor principal foi o Dan Owsen. Mais tarde, com o lançamento do Nintendo 64, estávamos fazendo um guia do jogador para Super Mario 64, e eu fui até a Gail e disse que esse jogo era muito especial e que precisaríamos de uma equipe de redação profissional. Naquele período, não havia uma verdadeira equipe de localização na Nintendo.
Retrogamer Brasil: Temos histórias sobre algumas das decisões que você teve que tomar enquanto trabalhava nesse jogo?
Swan: Uma situação engraçada foi que, nos primeiros dias, não havia muito diálogo entre as equipes de desenvolvimento e o que estávamos fazendo em termos de marketing nos Estados Unidos. Para Super Mario Bros., decidiram terceirizar a produção do manual para uma agência de publicidade, que criou alguns nomes. Foi eles que deram à Peach o nome de Princess Toadstool. Quando fui trabalhar na localização e estava revisando mudanças com o senhor Miyamoto, ele perguntou se "Peach" era um nome ruim. Eu disse que não, mas avisei que nos EUA ela era chamada de Princess Toadstool. Ele então comentou que gostava muito do nome "Peach". Ideia que sugeri foi chamá-la de "Princess Peach Toadstool", assim teríamos uma maneira informal de referir a ela como Peach.
Retrogamer Brasil: Além de ajudar na localização de Super Mario 64, você também fez a dublagem da Princesa Peach no jogo. Como você acabou se envolvendo com isso?
Swan: A Nintendo era um lugar muito especial para trabalhar naquela época. Eu estava sempre pronta para ajudar onde pudesse, e era a única pessoa que falava inglês na área de desenvolvimento da EAD. O jogo já estava praticamente pronto, e após terminarmos a versão americana, iríamos trabalhar na versão europeia. No processo de adaptação para o mercado americano, eles decidiram aproveitar um pouco da memória extra para adicionar vozes ao jogo, e me pediram para dublar a Peach. Fui ao estúdio e gravei algumas amostras.
Retrogamer Brasil: Anos depois de Mario 64, você se mudou para formar uma equipe de localização adequada na Nintendo, no início dos anos 2000. Como foi essa transição da revista Nintendo Power para esse novo papel?
Swan: Estava muito empolgada com o que faríamos na equipe de localização, mas também gostava do trabalho na revista. Quando me pediram para fazer a transição, coloquei uma condição: queria configurar a equipe à minha maneira, com tradutores proficientes trabalhando junto a bons redatores criativos. Convenci a empresa a ampliar o número de pessoas na equipe, afirmando que a longo prazo isso cortaria o tempo de localização pela metade.
Retrogamer Brasil: Falando em Pokémon, a primeira vez que encontrei seu nome listado na gestão de localização foi no título de N64, Hey You, Pikachu!, que foi lançado nos Estados Unidos em novembro de 2000. Você se lembra de trabalhar nesse jogo?
Swan: Pokémon foi lançado enquanto eu ainda estava na revista. A Gail Tilden, que era a editora-gerente da Nintendo Power, foi chamada para trabalhar no desenvolvimento do produto antes de existir uma equipe de localização. Consegui acompanhar todo o lançamento deles na revista, mas não trabalhei diretamente em Red ou Blue. Em relação ao Hey You, Pikachu!, eu estava no Japão conhecendo a equipe de desenvolvimento em Kyoto, onde surgiu o projeto.
Retrogamer Brasil: Além de Hey You, Pikachu!, pode nos contar sobre outros projetos que você trabalhou na Nintendo que se mostraram difíceis de localizar?
Swan: Um exemplo excelente é Animal Crossing. O responsável pelo projeto era o senhor Tezuka, e ele era uma pessoa maravilhosa de se trabalhar. Ele veio visitar a E3 e perguntou se poderia ter uma reunião comigo. Durante nossa conversa, mencionou que gostaria que eu localizasse o jogo. Embora soubéssemos de Animal Forest, não havíamos explorado muito ainda. Ele me alertou que seria complicado, e ali, em uma reunião, o senhor Iwata riu e disse que não sabia como eu conseguiria realizar essa tarefa, e realmente tinha razão. A maioria dos elementos do jogo era tão específica para o Japão.
Retrogamer Brasil: Pode compartilhar mais sobre como resolveram essas adaptação?
Swan: Tivemos que renomear cada personagem, suas falas e eventos. Analisamos a lista de eventos que eles enviaram e decidimos quais seriam substituídos por algo que fizesse sentido culturalmente. Também nos deparamos com certos itens que tinham um charme na versão japonesa, mas não eram eficazes aqui. Trabalhávamos em equipe diariamente, dedicando horas àquele projeto, por sorte sem grandes projetos paralelos no momento.
Retrogamer Brasil: Alguma vez surgiram sugestões para o nome do jogo?
Swan: Ah, foram muitas reuniões assim. Já tivemos centenas de sugestões, mas o "Animal Crossing" foi o mais difícil de aprovar. Lembro de que tivemos algumas ideias que adoramos, como "Animal Acres", por causa das divisões da cidade. Mas acabou não passando.
Retrogamer Brasil: Além da Peach, você também fez vozes para alguns personagens do WarioWare. Como isso aconteceu?
Swan: O time de WarioWare era especial porque eles realmente prezavam por manter os orçamentos baixos e fazer tudo que podiam dentro desses limites. Então, em vez de contratar atores, perguntavam: "Quem pode fazer isso?" Eu fiz a voz da Mona e de 9-Volt, apesar de não ter sido creditada como 9-Volt. Muitas vezes íamos a estúdios locais e experimentávamos diferentes vozes.
Retrogamer Brasil: Com tudo isso, como você vê a evolução do papel das mulheres nos videogames?
Swan: Sempre fomos motivados a engajar os jogadores uns com os outros, e havia uma frustração inicial quando muitas personagens femininas eram retratadas de forma estereotipada. Foi um processo lento, mas a indústria evoluiu bastante, principalmente com o que aconteceu durante a pandemia, onde jogos como Animal Crossing New Horizons se tornaram um ponto de encontro.
Retrogamer Brasil: Após todos esses anos, você decidiu sair da Nintendo em 2016. O que motivou essa decisão?
Swan: Estava em um período de mudanças na Nintendo, além de lançamentos digitais e um novo programa chamado My Nintendo. Eu estava pronta para um novo desafio, mas sentia que tinha aprendido tanto em cada projeto que trabalhei na Nintendo. As equipes eram energéticas e o clima familiar me cativou.
Essas histórias não apenas nos levam a uma viagem pela história dos jogos, mas também nos lembram da magia que teve seu ponto de partida na Nintendo e como isso moldou o mundo dos videogames que conhecemos e amamos hoje.
