Como uma Pequena Empresa de Brinquedos Ajudou a Sega a Conquistar o Brasil em Meio a Concorrentes Poderosos

Redação
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Quando se trata de contar a história dos videogames, é fácil cair na armadilha de ignorar as experiências de outros países e enxergar tudo apenas pela perspectiva americana, desde a ascensão e queda da Atari, até o domínio absoluto do NES e as guerras de consoles de 16 bits no início dos anos 90. No entanto, essa visão desconsidera que, em muitas partes do mundo, as narrativas sobre jogos eram bastante diferentes, repletas de suas próprias histórias exclusivas, vencedores e perdedores.

Um dos casos mais emblemáticos é o do Brasil, onde a Tectoy lançou o Sega Master System em 1989, transformando o país em uma verdadeira nação de fãs da Sega — tanto que o Master System ainda é comercializado até hoje. Essa é uma história que, convenhamos, muitos já devem ter ouvido, especialmente aqueles que cresceram no Brasil ou frequentam canais do YouTube dedicados à Sega e suas memórias. Mas achamos que valia a pena revisitar para oferecer um entendimento mais profundo sobre a história da empresa e a presença marcante da Sega no mercado brasileiro.

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Para essa tarefa, contatamos Stefano Arnhold, um dos primeiros funcionários da Tectoy, para conversar sobre sua trajetória com jogos no Brasil, a ascensão da Tectoy no final dos anos 80 e a incrível parceria que a empresa estabeleceu com a Sega e suas subsidiárias internacionais. Ele gentilmente concordou em nos conceder um pouco do seu tempo.

Se você ainda não conhece Arnhold, saiba que ele teve uma carreira notável no mundo dos games. Ele ingressou na Tectoy no início da empresa, vindo da Sharp, e foi fundamental para o lançamento do Master System e do Sega Mega Drive no Brasil, tornando-se CEO da Tectoy em 1994, após a morte do fundador Daniel Dazcal. Arnhold ocupou esse cargo até 2019, quando vendeu sua participação e partiu para novos desafios. Abaixo, você pode conferir nossa conversa com ele, editada para clareza e fluidez.

Retrogamer Brasil: Para começarmos, seria interessante saber um pouco sobre sua trajetória antes da Tectoy. Como você se interessou pelo mercado de videogames? Você já gostava de jogos antes de trabalhar com a Sega?

Arnhold: Sim, tenho uma história interessante. Antes de entrar na Tectoy, no início dos anos 80 (provavelmente em 1981), fui a Kyoto visitar a Nintendo, enquanto trabalhava com meu tio em uma empresa de fotografia. A ideia era iniciar um negócio para fabricar e vender o Nintendo Game & Watch no Brasil. Naquela época, as importações eram muito complicadas por causa da falta de moeda forte, mas enxerguei uma oportunidade, pois a empresa do meu tio representava várias companhias japonesas, incluindo a Minolta, que ficava próxima à Nintendo.

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Consegui uma apresentação com eles e, de alguma forma, convenci a Nintendo a me ceder os direitos do Game & Watch. O negócio não poderia ser feito diretamente, devido às restrições de importação, então teríamos que trabalhar através de uma trading company. A ideia era desmontar o produto, enviar os componentes para nós e, em Manaus, montar uma fábrica para remontar tudo.

Infelizmente, nunca consegui realizar meu sonho de lançar o Game & Watch no Brasil. Apresentei essa ideia ao meu tio, mas ele não estava interessado em montar a fábrica por causa da distância. No fundo, ele estava hesitante sobre iniciar um negócio junto a uma empresa que não confiava em nós. Respondi a ele que o mundo dos negócios era assim; ninguém confia em ninguém. No fim, decidi seguir em frente.

Retrogamer Brasil: E foi por isso que você decidiu trabalhar na Sharp?

Arnhold: Exatamente. A Sharp estava interessada em fabricar o Atari 2600 no Brasil, e um amigo meu me sugeriu que eu procurasse a Sharp, por saber que eu estava insatisfeito. Assim, transitei da empresa do meu tio para a divisão de planejamento estratégico da Sharp, onde tentei implementar a ideia do Nintendo Game & Watch.

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Naquela época, a Sharp no Brasil era uma companhia imensa, uma das 50 maiores do país, e estava na vanguarda dos televisores de cores, um grande negócio na época. Infelizmente, não conseguimos os direitos do Atari 2600 porque ele foi vendido para a Warner, que era praticamente um gigante naquele universo. Então, a Gradiente acabou lançando o Atari 2600 no Brasil em 1983, sob a marca Polyvox. Por outro lado, conseguimos os direitos do Intellivision. Quanto ao Game & Watch, a Sharp achou que o mercado era pequeno demais, então a ideia não seguiu em frente.

Foi na Sharp que conheci Daniel Dazcal, que era diretor industrial e mais tarde se tornaria o vice-presidente de toda a divisão da Sharp. Trabalhei com ele diretamente como diretor de marketing, mas, por volta de março de 1987, Daniel saiu da Sharp para fundar a Tectoy.

Retrogamer Brasil: Como a Tectoy se tornou focada em jogos? Desde o início, vocês queriam entrar na distribuição de consoles?

Arnhold: Antes de começar a Tectoy, Daniel criou a Elsys, que ainda existe hoje. A Elsys desenvolvia ASICs, que são pequenos microprocessadores para usos específicos. A empresa começou a analisar outras áreas para investir, incluindo brinquedos eletrônicos e games.

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Naquela época, havia a Estrela, que dominava o mercado de brinquedos eletrônicos e tinha uma sólida história de 50 anos, enquanto a Elsys era uma novata. Daniel, então, decidiu que em vez de ajudar a Estrela, poderíamos fazer isso sozinhos. Como eu tinha várias ideias nessa área, fui convidado a me juntar a ele.

Os principais investidores foram os irmãos Chris, que tinham a Evadin, uma empresa de TV, que estava em um bom porte no Brasil.

Retrogamer Brasil: Quando você começou na Tectoy, como foi sua ascensão até se tornar CEO?

Arnhold: Entrei para trabalhar com Daniel, que sempre foi uma inspiração para todos. Ele tinha um forte background em engenharia e industrial, enquanto minha função era mais administrativa ou financeira, mas também incluía marketing, que era o que mais gostava de fazer. No início, não ligávamos muito para títulos, fazíamos de tudo um pouco. Quando Victor Blatt se juntou à equipe, oficialmente assumi o título de vice-presidente de novos negócios.

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Em 1994, Daniel faleceu de câncer, e para manter a empresa funcionando, minha família me ajudou a comprar suas ações, assumindo o controle da Tectoy.

Retrogamer Brasil: Falando sobre a parceria entre a Tectoy e a Sega, muitos mencionam o brinquedo de luz Zillion, que foi a primeira colaboração entre as duas empresas. Como a Tectoy se envolveu na distribuição desse brinquedo no Brasil?

Arnhold: Nos aproximamos da Sega e dissemos que queríamos distribuir seus jogos. A princípio, a resposta foi negativa. Então, decidimos começar com brinquedos. A divisão de brinquedos da Sega estava enfrentando dificuldades e o gerente dessa área gostou da nossa proposta, especialmente para vender o Zillion aqui.

No entanto, não podíamos importar o produto final, então decidimos nos concentrar em apenas esse único produto e fazer do Zillion um grande sucesso no Brasil. E, no fim das contas, vendemos várias vezes mais Zillions do que eles venderam no mundo todo.

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Retrogamer Brasil: Deve ter sido uma grande aposta concentrar tantos esforços em um único produto. Havia um público considerável de anime no Brasil na época?

Arnhold: Na verdade, ajudamos as pessoas a descobrirem o anime. Tínhamos uma equipe talentosa e focamos em fazer o Zillion funcionar. Inclusive, fomos até a Rede Globo, uma das maiores emissoras do mundo, para exibir a série.

Além do Zillion, fizemos outro produto em colaboração com a VTech, chamado Smart Start, e foi um sucesso tão grande que ganhou o prêmio de Brinquedo do Ano. Com isso, voltamos à Sega e dissemos que queríamos o Master System.

Retrogamer Brasil: Como foi trabalhar com a Sega? Foi fácil convencê-los a compartilhar informações sobre o Master System?

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Arnhold: Fomos bastante sortudos, pois a Samsung queria levar o Master System para a Coreia, e, assim como nós, também não poderia importar o console diretamente. Um membro da Sega sugeriu tentar com a Tectoy. A partir daí, fechamos um acordo e, após algum tempo, eles perceberam que éramos uma empresa diferente, com um talento incrível.

Tivemos um contato principal na Sega, Chiaki Tofusa, mas também interagíamos com várias pessoas, desde o presidente até assistentes e diretores tecnológicos. Era uma relação complicada, mas também de admiração por parte deles.

Retrogamer Brasil: E ao lançar o Master System, como estava o cenário dos videogames no Brasil, especialmente a presença da Nintendo?

Arnhold: No início, não estávamos lutando diretamente contra a Nintendo, mas sim contra clones dela, como os da Gradiente e da CCE. Apesar dos preços baixos dos clones, vencemos porque olhamos para o panorama geral. Tínhamos os jogos, um hotline e nossos newsletters com o Sega Club, além de muita pesquisa de mercado.

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Com o feedback que recebíamos, conseguimos conquistar o público e o primeiro lugar no mercado.

Retrogamer Brasil: Quando surgiu a ideia de desenvolver internamente novos jogos?

Arnhold: Isso surgiu mais por necessidade. Lançamos o Master System em 89 e, em 90, já tínhamos o Mega Drive, mas o resto do mundo já estava na era dos 16 bits, e os jogadores estavam desesperados. Ao perceber que precisávamos de novos jogos para manter o Master System forte, decidimos desenvolver títulos próprios.

Assim, transformamos Wonder Boy na personagem Mônica, que é muito popular por aqui, e obtivemos muito sucesso. Além disso, fizemos um jogo do Pica-Pau totalmente novo e até uma versão de Street Fighter II.

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Retrogamer Brasil: A história da Tectoy com o Ayrton Senna, presente em Super Monaco GP II, é bastante conhecida. Como foi que vocês conseguiram convencê-los a incluir Senna no jogo?

Arnhold: Sempre estávamos propondo ideias à Sega, e a maioria delas recebia um "não" como resposta. Mas quando apresentamos a ideia de Senna, eles já o conheciam e concordaram. O desenvolvimento foi feito pela Sega do Japão, mas atuamos como interface entre a engenharia e o piloto. Senna era conhecido por seu perfeccionismo e queria que o jogo refletisse isso.

Tivemos conversas intensas e exigências. Quando estávamos fazendo as alterações sugeridas por Senna, a Sega frequentemente relutava, mas ele insistia: se seu nome estaria no jogo, então as mudanças deveriam ser feitas.

Retrogamer Brasil: E quanto às ideias que vocês propuseram e que a Sega simplesmente não quis seguir em frente?

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Arnhold: Posso citar uma delas: a ideia de um videogame em preto e branco. O Game Boy estava fazendo sucesso, e a Sega tinha o Game Gear, mas ele era menos prático devido ao consumo de bateria. Achávamos que poderíamos criar um dispositivo semelhante, mas quando apresentamos a ideia, a resposta foi negativa. A Sega estava firme em que nunca teria um portátil monocromático.

Retrogamer Brasil: Sobre o Master System, em 1993, vocês lançaram uma versão sem fio chamada Super Compact. Como surgiu a ideia de uma versão voltada para o público feminino?

Arnhold: Em nossas pesquisas, percebemos que, embora apenas 8 a 9 por cento dos donos de consoles fossem garotas, o número que costumava jogar era significativamente maior. As meninas mencionavam que jogavam na casa dos primos ou dos irmãos, mas não viam a necessidade de ter um console próprio.

Assim, decidimos desenvolver o Master System Girl e chamamos o Mauricio de Sousa, criador da Mônica, para nos ajudar. A ideia era transformar as garotas que jogavam em donas dos consoles.

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Retrogamer Brasil: Em retrospectiva, você acha que o problema do Master System Girl foi a ideia ou a execução?

Arnhold: Acreditamos que foi uma questão de timing. As garotas jogavam, mas não estavam prontas para possuir consoles. No final, conseguimos aumentar o número de proprietárias, mas não tanto quanto esperávamos. É uma lembrança de que, às vezes, estamos à frente do nosso tempo.

Retrogamer Brasil: Em 1995, vocês também lançaram o Mega Net, um serviço online para donos de Mega Drive. Como essa ideia surgiu?

Arnhold: Tentamos conseguir os direitos do Sega Channel, mas foi complicado. O Sega Club, nossa newsletter, já tinha uma grande base de assinantes, e queríamos reforçar a comunidade através do Mega Net. O objetivo era utilizar essa plataforma não apenas para jogos, mas também para serviços como compras e banco.

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Era um projeto ambicioso, e enquanto muitos brasileiros ainda não compreendiam o funcionamento de e-mails, tentamos introduzir o que era, sem dúvida, um conceito inovador para a época. O resultado não foi como esperávamos.

Retrogamer Brasil: Quão duradouro foi o serviço Mega Net e foi difícil desligá-lo quando chegou a hora?

Arnhold: O Mega Net foi um desafio para administrar, já que usávamos uma conexão cara. Quando decidimos encerrá-lo, foi complicado, principalmente porque alguns usuários dependiam dele. Tivemos que encerrar, mas foi uma experiência difícil.

Retrogamer Brasil: Nos anos 2000, vocês começaram a lançar novas versões do Master System com jogos embutidos. Como foi essa decisão de abandonar as vendas de software?

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Arnhold: Foi uma necessidade. A pirataria e os emuladores começaram a afetar nossas vendas, e percebemos que precisaríamos valorizar o console. Então, optamos por incluir jogos na própria máquina, o que ajudou a sobreviver nesse novo cenário.

Retrogamer Brasil: Em 2019, você decidiu vender a Tectoy. O que te levou a essa decisão?

Arnhold: Precisava de capital. A crise financeira de 1997 foi devastadora e, por causa do crescimento acelerado, acabamos acumulando dívidas imensas. Ao final desse processo, na virada dos anos 2000, percebemos que a única maneira de sobrevivermos era encontrar um parceiro que tivesse capital suficiente para reinvigorar a Tectoy.

E em 2019, conheci alguém que se interessou em comprar a empresa, e assim, decidi vender.

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Retrogamer Brasil: Você sente falta de estar envolvido com a Tectoy?

Arnhold: Sim e não. Sinto falta, mas também estou muito ocupado. Após a venda, mergulhei de cabeça em governança esportiva e em um novo projeto na área ambiental. Não costumo ter muito tempo para olhar para trás e relembrar tudo o que conquistamos.

Retrogamer Brasil: Obrigado pelo seu tempo, Stefano. Agradecemos pela conversa!


Essas histórias remontam a uma época de grandes mudanças e inovações no mundo dos videogames, especialmente no Brasil. A Tectoy, sem dúvida, teve um papel fundamental na formação da linhagem dos consoles no país e deixou uma herança que ainda ecoa nas gerações atuais de jogadores. Que venham mais histórias nostálgicas e aventuras gamers!

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