A vida de Tetsu "Tez" Okano, diretor de Segagaga, é um verdadeiro exemplo de como a paixão pelos videogames pode levar a uma trajetória única e surpreendente. Crescendo no Japão dos anos 70, ele se apaixonou pelos fliperamas, jogando clássicos como Space Invaders e Galaxian. No entanto, a ideia de transformar essa paixão em profissão não lhe ocorria. Após terminar os estudos, Okano trabalhou como artista de mangás na editora Kodansha entre 1990 e 1991, mas logo percebeu que a carreira na arte não oferecia a estabilidade que ele desejava. Foi então que decidiu seguir seu coração e se candidatar a uma vaga na Sega, que na época estava em busca de talentos peculiares. Em 1992, ele conseguiu uma posição no departamento AM Research & Development No. 3 da empresa.
Como Okano mesmo admite, os primeiros jogos que desenvolveu na Sega não foram grandes sucessos. Contudo, em 2001, ele mudou isso ao criar o famoso RPG Segagaga, exclusivo para o Dreamcast. Nele, os jogadores controlavam Sega Taro, um jovem que precisava salvar a Sega da concorrência com a DOGMA, uma paródia da rival Sony. O jogo rapidamente ganhou notoriedade, sendo elogiado por seu humor autodepreciativo, estabelecendo Okano como uma voz criativa singular no universo dos games.
Após o lançamento de Segagaga, Okano participou de diversos projetos relevantes para a Sega, como o aclamado Astro Boy: Omega Factor e Gunstar Super Heroes. Ele também se envolveu em títulos menos conhecidos, como Black Jack Hi no Tori Hen para Nintendo DS e o polêmico Thunderforce VI para PS2. Recentemente, tivemos a oportunidade de conversar com Okano sobre sua carreira impressionante, aprendizados com os fracassos e se ele consideraria retornar a uma grande corporação como a Sega.
Entrevista:
Você mencionou que, ao ingressar na Sega nos anos 90, seus primeiros títulos como Dragon Ball Z V.R.V.S, Rail Chase 2, e Dirt Devils não foram grandes sucessos. Quais lições você aprendeu ao desenvolver esses jogos?
Okano: Eu diria que aprendi onde estavam meus limites como criador. Entrei na empresa em 1992, quando a Sega estava em alta e ninguém sabia qual seria o futuro dos games. Eles buscavam talentos inusitados, e eu provavelmente era um exemplo extremo disso. Com o desenvolvimento da indústria, certas tendências começaram a surgir. Vejo-me como um criador no sentido de querer expressar minhas ideias, mas percebi que isso nem sempre se alinha com as necessidades dos jogadores ou das empresas, que tendem a buscar soluções mais ótimas. Em outras palavras, eu não era exatamente o que se pode chamar de diretor habilidoso.
Segagaga, por sua vez, é sem dúvida o jogo pelo qual você é mais conhecido. O que o levou a tornar esse projeto um produto oficial da SEGA? Você esperava que ele fosse um sucesso ou era mais uma questão de deixar sua marca na empresa?
Okano: Para ser honesto, a verdade é que eu apenas tinha ideias. Não tinha grandes conquistas, então era impossível conseguir um orçamento ou uma equipe grande. Mas eu tinha um sem fim de ideias, e pensei: "Qual seria o jogo que venderia melhor apenas com uma ideia incomum?" Trabalhei a partir daí. Não achava que iria ser um sucesso imediato, mas acreditava que teria o suficiente para se tornar um produto reconhecido. O diretor da AM3, Oguchi, aceitou minhas ideias, mesmo eu não gerando lucro para a empresa, e isso foi fundamental para o projeto.
Recentemente, soubemos que há um grupo de fãs de Segagaga tentando criar um patch em inglês, que permitirá que quem já possui o jogo substitua o texto japonês pelo inglês. Qual a sua opinião sobre as modificações em seus jogos?
Okano: Pessoalmente, fico muito feliz em saber que as pessoas amam algo que eu criei. Mas, como alguém que não trabalha mais para a Sega e não detém os direitos sobre Segagaga, não gostaria de causar nenhum incômodo à empresa. Tenho sentimentos mistos sobre isso. Como desenvolvedor ativo, posso ajudar com uma tradução ou remake oficial a qualquer momento, mas não tenho intenção de me envolver em algo que infrinja os direitos da Sega. Vários desenvolvedores internacionais já disseram: "Queremos que você faça uma sequência; vamos obter permissão da Sega", então estou torcendo para que eles consigam.
Astro Boy: Omega Factor para Game Boy Advance é outro clássico seu muito comentado no ocidente. Como você se familiarizou com os trabalhos de Osamu Tezuka?
Okano: Meus pais, especialmente minha mãe, eram fãs de Osamu Tezuka. Naquela época, os mangás não eram muito respeitados, mas Tezuka era uma exceção. A Sega tinha um contrato que dava direitos totais sobre a Tezuka Productions por sete anos, mas poucos conheciam as obras clássicas de Tezuka, então me esforçei para criar algo que agradasse até mesmo os fãs mais fervorosos. O jogo ficou tão bom, em grande parte, graças à equipe da Treasure e aos talentos que juntei: Saito, Nakai, Mibu, Yokokawa, entre outros.
Você começou a compartilhar mais sobre a experiência de desenvolver Astro Boy nas redes sociais, trazendo à tona o trabalho do artista Tomoharu Saito, que infelizmente nos deixou. Como foi sua colaboração com ele nesse projeto?
Okano: Tomoharu Saito era uma pessoa incrível e um ótimo desenvolvedor, frequentemente trazendo vida ao projeto, equilibrando minhas ideias excêntricas. Como ele era um artista freelancer, éramos mais amigos de bar do que colegas de trabalho constantes. Também o convidei para trabalhar em Segagaga. Queria trabalhar novamente com ele no projeto de Black Jack, mas não consegui.
Depois do seu sucesso com a Treasure em Astro Boy, você colaborou novamente com o estúdio em Gunstar Super Heroes. Você já conhecia o jogo anterior antes de começar a trabalhar na sequência?
Okano: Sou um grande fã da Sega, então conhecia bem Gunstar Heroes. Amo aquele jogo e até fiz uma homenagem a ele em Astro Boy para GBA, mas talvez as pessoas não tenham percebido. Eu assumi a liderança de Gunstar Super Heroes na Sega por conta de minha ligação com Atom, mas não era um membro inicial da equipe. Ouvi que a Treasure trabalhou no jogo voluntariamente durante vários anos antes, e já tinha mais da metade finalizada graças ao extremamente talentoso Hideyuki "NAMI" Suganami.
Gunstar Super Heroes traz referências a outros títulos da Sega, como Flicky e Thunder Blade. Essa ideia foi da Sega ou da Treasure?
Okano: Na verdade, essas referências foram ideias da Treasure. NAMI é um prodígio, e embora os controles estivessem complicados, a Sega assumiu o projeto quando estava quase completo. Eles estavam preocupados em não recuperar o investimento. Fui convidado para liderar o projeto e, como fã do jogo anterior, aceitei o desafio de gerenciá-lo, tentando utilizar o máximo do que já estava pronto.
Como parte da equipe da Sega, mantive o orçamento e o cronograma fornecidos e consegui lançar o jogo. Tivemos que simplificar a história para torná-la mais acessível, e nomeamos Shinya Kaneko para unificar as imagens dos personagens. Entretanto, isso pode ter desapontado NAMI, que se dedicou intensamente ao jogo. Meu foco era entregar o produto, mas muitos ficaram insatisfeitos com minhas decisões. Fiz de tudo para impedir que NAMI cortasse as referências à Sega, que ele tinha se esforçado para incluir. Descobri chefes e fases incríveis, meio acabados e abandonados de Alien Soldier. Depois disso, não trabalhei mais com a Treasure.
Por tudo isso, não me sinto à vontade para falar muito sobre o jogo. Tenho certeza de que os outros desenvolvedores, a Treasure, NAMI e outros têm suas próprias opiniões, então tudo isso representa apenas minha perspectiva.
O que muitos jogadores ocidentais talvez não saibam é que Astro Boy foi um dos dois títulos que você desenvolveu para a Sega baseados nas obras de Tezuka — o outro foi Black Jack Hi no Tori Hen para o Nintendo DS. Como foi desenvolver um jogo para a tela dupla do DS?
Okano: Esse período estava no auge da tendência de jogos "Brain Training" direcionados à faixa etária mais madura. Naquela época, era complicado fazer projetos diferentes, mas consegui levar o jogo adiante ao posicioná-lo como "um mangá jogável". Havia também a intenção de aproveitar o contrato que nos dava direitos totais sobre a Tezuka Productions. Como não era um jogo de ação, nos unimos à Genki, e sou extremamente grato à equipe da Genki por atender todas as minhas exigências e trabalharem arduamente.
Depois de atuar no setor de portáteis, você trabalhou em Thunder Force VI para PS2, a última entrada principal na série e a primeira desenvolvida por alguém diferente da Technosoft. Foi desafiador entrar nessa posição, considerando a comunidade de fãs tão querida? O jogo acabou gerando opiniões divididas entre os antigos admiradores. Você tem alguma reflexão sobre o que funcionou bem e o que poderia ser melhorado?
Okano: Sim, com certeza. Uma das dificuldades foi não conseguir atender às expectativas dos fãs, e isso eu lamento. A responsabilidade é totalmente minha, e estou disposto a ouvir quaisquer críticas. Por outro lado, o que funcionou bem foi que mostrou que jogos antigos podem ser reimaginados de uma forma nova. (Em 2008, não havia um ressurgimento de interesse por games retrô e os jogos independentes ainda não estavam em alta). Além disso, foi um projeto de baixo orçamento, com a equipe pagando do próprio bolso por personagens adicionais, mas o projeto não teve prejuízos, então isso pode ser considerado um ponto positivo.
Eventualmente, você deixou a Sega e fundou o HUGA Studio para trabalhar em projetos independentes, como o filme Final Re:Quest e jogos mobile como The Girl From Gunma Kai (que você está portando para o Steam). Como é a vida como criador independente em comparação com trabalhar para uma empresa como a Sega? Você consideraria voltar a trabalhar para uma grande corporação, ou esses dias já ficaram para trás?
Okano: Para resumir, hoje tenho toda a liberdade, mas sem poder. Consegui realizar meu sonho de criar o que desejo, sem limitações, mas perdi a proteção que uma grande corporação oferece. Lamento o que perdi, mas, considerando meu foco principal, não estou pensando em voltar. No entanto, não cortei laços com meu passado e, como criador de Segagaga e outros jogos, quero manter um bom relacionamento com a Sega.
Agradecemos mais uma vez pelo seu tempo! Foi um prazer conversar com você.
