Histórias Sobre a Criação do Dueto Mais Irado dos Videogames

Redação
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16 min de leitura

Nos bons tempos, poucos jogos conquistavam tanto nossos corações no Sega Mega Drive / Genesis quanto o clássico de 1991, ToeJam & Earl, e sua sequência de 1993, ToeJam & Earl in Panic on Funkotron. Desenvolvidos pela Johnson & Voorsanger Productions e publicados pela Sega, ambos os jogos são verdadeiramente peculiares, trazendo à vida uma narrativa funk com alienígenas em aventuras recheadas de humor no estilo Looney Tunes e inimigos coloridos e inusitados.

Recentemente, tivemos a incrível chance de conversar com Greg Johnson, co-criador de ToeJam & Earl, para saber mais sobre o filme que está por vir (que você pode conferir em nosso site). Após essa conversa, tivemos outro bate-papo por vídeo, mais aprofundado, sobre a história da série. Discutimos a influência de Rogue e do filme animado Heavy Metal no jogo original, além da experiência de trabalhar com a Sega e a empolgação que ele ainda sente em criar jogos tantas décadas depois. Confira essa conversa abaixo (com leves edições para melhor fluidez).

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Retrogamer Brasil: Um jeito perfeito de começar seria perguntar uma questão que você deve ter ouvido milhões de vezes: como surgiu a ideia para ToeJam & Earl? Acreditamos que os personagens foram a origem da ideia, certo?

Johnson: Sim, exatamente. E quando mencionei para você [antes da entrevista] que tinha algo que nunca contei a ninguém, isso se refere a isso. Estava conversando com um amigo recentemente, que era o chefe de marketing no Japão na época do lançamento de ToeJam & Earl e também no lançamento do ToeJam & Earl III. Ele tem uma conexão forte com os jogos e conversamos sobre isso.

Lembro que comentei que costumava dizer em entrevistas que sonhei com ToeJam e Earl e, no meio da noite, escrevi uma conversa entre eles. No dia seguinte, li o que escrevi e fiz um esboço dos personagens; foi exatamente assim que tudo começou. Mas nossa mente funciona de formas engraçadas: você vê algo ou ouve algo e aquilo fica na sua cabeça, depois ressurge em outra forma.

Quando conversava com meu amigo, disse: "Tem algo que me incomoda há anos, sinto que vi um desenho animado na minha infância que pode ter sido o impulso para a ideia do jogo. Eram esses dois alienígenas em uma nave fumando um baseado." E ele respondeu: "Sim, isso é Heavy Metal." Fui conferir e era de 1981, enquanto ToeJam & Earl nasceu em 1990. Ao ver aquele curta, pensei: "Caramba, acho que isso é o que fez ToeJam & Earl surgir na minha mente uma década depois."

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Outra informação divertida que talvez eu nunca tenha compartilhado é sobre meu amigo Mike, que me lembrou do design original do personagem Anti-Funk em ToeJam & Earl III, que a Sega vetou. Ele disse: "Sabe quando íamos lançar ToeJam & Earl III? Eu fui o cara que cortou o chapéu da Ku Klux Klan do Anti-Funk." A trama do vilão principal envolvia um chapéu que lembrava a KKK, e Mike disse: "Acho que não devemos seguir por esse caminho do ponto de vista de marketing."

Em ToeJam & Earl 1, o mago originalmente seria um arcebispo, e muitas pessoas devem notar que o áudio de cura ainda soava tipo ‘aleluia’. Ele usava um mitra e um chapéu de arcebispo, mas o pessoal de marketing da Sega também pediu que mudássemos isso. Então transformamos o arcebispo em um mago.


Retrogamer Brasil: Isso é interessante, porque já ouvimos que a inspiração para os personagens teria vindo de uma praia no Havaí, algo que parece um pouco diferente da história que você acabou de nos contar. Qual foi a influência do Havaí no jogo?

Johnson: Acho que isso é uma citação imprecisa de alguma entrevista. Eu realmente visitei o Havaí uma vez e pensei no jogo, além de ter surgido algumas ideias enquanto estava relaxado. Provavelmente por isso temos garotas hula no jogo e uma banheira de hidromassagem, mas não é a origem da ideia. É difícil lembrar do que eu disse ou do que foi impresso.

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Tive alguns momentos em que ficava meio "doidão". Eu estava fazendo muitas entrevistas e era desafiador criar novas abordagens, não queria ser chato. Por isso, em algum momento, inventei algo maluco e disse que coloquei todas as ideias dos presentes em Post-its e joguei meu gato na sala para ver quais grudavam nos pés dela. Totalmente inventado, claro. Era só uma brincadeira num dia mais leve.


Retrogamer Brasil: Então como você passou de ter a ideia de dois personagens para pensar que eles deveriam ser os protagonistas do seu próprio jogo? Na época, iconografias como Mario e Luigi mal eram diferentes um do outro. Havia jogos específicos que te inspiraram?

Johnson: Na verdade, em um certo momento, fomos considerados para ser a mascote da Sega. O pessoal da Sega dos EUA estava super empolgado com isso, mas, como sabemos, as decisões vinham do Japão. A palavra veio clara: "Não, temos nosso personagem, e ele é o Sonic." Ficamos desapontados, já que eles disseram que ToeJam & Earl era muito americano e específico da cultura norte-americana.


Assim, tudo fez sentido. Mas, voltando à sua pergunta, a inspiração para ter dois personagens, o modo cooperativo e a tela dividida não veio de outro jogo específico. ToeJam & Earl surgiu diretamente da minha obsessão por Rogue na faculdade. Eu jogava isso em um terminal universitário às três da manhã sem dormir ou estudar, tão fixado estava no jogo.

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“Como posso compartilhar isso com alguém? Quero uma aventura cooperativa.” A ideia da tela dinâmica foi algo que nunca tinha visto antes. Embora já houvesse telas divididas, não era algo comum, a inovação estava na dinamicidade dela. Quando as pessoas na Sega disseram que o hardware não conseguiria, meu sócio Mark Voorsanger disse: "Acho que posso fazer isso." E eu respondi: "Ótimo, vamos mostrar como se faz."


Retrogamer Brasil: Sobre o nome ToeJam & Earl, de onde surgiram esses dois nomes? A Sega hesitou em aprovar um título tão inusitado?

Johnson: Não houve resistência em relação ao nome e atualmente não me lembro de onde surgiu. Ele simplesmente apareceu no dia seguinte após meu sonho, quando escrevi sobre os personagens e fiz os esboços. O responsável na Sega era Hugh Bowen, um cara relaxado e divertido, que apoiou muito a ideia. O marketing estava um pouco confuso, questionando como iríamos vender algo tão diferente, mas eles aceitaram.

Acho que estávamos vivendo uma era dourada, pois tudo era novidade. Cada semana havia algo inédito, e podíamos sentir que estávamos em uma indústria em crescimento, trazendo alegria a muitos. Claro, havia estresse, mas era bem diferente do ambiente atual, com um número absurdo de lançamentos toda hora.

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Retrogamer Brasil: Queremos saber um pouco sobre a música de ToeJam & Earl e a participação de John Baker. Como você o conheceu e qual foi a direção musical que tomaram? É algo que se tornou integral à identidade da série.

Johnson: A musicalidade começou com um cara chamado Mark Miller, que cuidava mais da parte técnica da música, buscando realismo nos sons que o 16 bits poderia entregar. Ele tinha o talento de fazer instrumentos soarem mais reais. Foi ele quem me apresentou a John Baker, que é um compositor incrível e uma pessoa maravilhosa. Eu também tinha uma afinidade com música, mesmo não tocando instrumentos.

Criei várias linhas de baixo e cantava para o John, que as adaptava em canções. Ele compôs grande parte das trilhas por conta própria, mas algumas, como a música tema, vieram de mim. Em ToeJam & Earl 4: Back in the Groove, fizemos um Kickstarter, lançamos um álbum cheio de faixas novas e recriações.


Retrogamer Brasil: Pensando em influências musicais, quais bandas de funk você estava ouvindo na época de criação de ToeJam & Earl?

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Johnson: Herbie Hancock surge à mente imediatamente. Algumas músicas dele fazem você pensar: "Ah, isso é ToeJam & Earl!" Além dele, havia bandas de funk típicas dos anos 80 e 90, como The Gap Band, Dazz Band, Parliament, Funkadelic, Stevie Wonder e Earth, Wind & Fire. Era uma verdadeira trilha sonora daquela época.


Retrogamer Brasil: Com relação ao sucesso inicial de ToeJam & Earl, ele foi considerado um sleeper hit. Vocês, como uma nova empresa, tinham um plano B caso o jogo não vendesse bem?

Johnson: Não, era um mundo diferente. Éramos apenas dois jovens que estavam se divertindo. Alugamos um escritório e decidimos: "Quer fazer isso?" "Claro, vamos ver onde vai dar." Não pensávamos em dinheiro ou futuro financeiro, era sobre a diversão de fazer o jogo.


Retrogamer Brasil: O jogo era sua própria recompensa, certo?

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Johnson: Exatamente! Era tudo que focávamos. Eu e Mark éramos bons amigos e tivemos um tempo incrível. Parte da razão pela qual quería um jogo aleatório e cooperativo é que, quando jogávamos, não nos cansávamos. Pensávamos: “Vamos adicionar isso, ele iria para o computer e criaria algo novo, e eu fazia arte.”


Retrogamer Brasil: Sobre a versão original de Panic on Funkotron, sabemos que ela seria bem mais parecida com o primeiro jogo antes de virar um side-scroller. Pode falar sobre essas ideias e se algum protótipo sobreviveu?

Johnson: Ah, isso se perdeu no tempo, infelizmente. Chegamos a trabalhar nele por três ou quatro meses. Era possível correr, havia cristais gigantes, casas sem telhados… Era essencialmente uma nova versão de ToeJam & Earl, só que reimaginada.


Falar sobre isso me faz lembrar da época em que conversamos com a Sega, e não lembro bem quem iniciou, mas houve uma proposta para mudarmos para um side-scroller. Eles achavam que a venda do primeiro jogo não havia sido como esperávamos. Acreditavam que poderiam vender melhor caso o jogo fosse mais compreensível para o público. Como éramos mais colaborativos, dissemos: "Certo, se é isso que eles pensam, vamos mudar!"

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Retrogamer Brasil: Essa mudança trouxe um desafio que animava vocês a seguir por esse novo caminho? O que os motivou a aceitar essa nova direção da Sega?

Johnson: Com certeza, ficamos desapontados inicialmente. É difícil abrir mão do que você estava entusiasmado. Mas nós queríamos agradar a Sega. Era genuíno, queríamos uma parceria animada com eles. Assim que decidimos seguir em frente, começamos a nos focar nos desafios da nova direção.

Isso não aconteceu de imediato — levou tempo para percebermos que precisávamos traduzir a sensação de exploração e descoberta típica de ToeJam & Earl para o novo formato. Começamos a desenvolver várias ideias — coisas escondidas, movimentos funky, tudo isso.


Retrogamer Brasil: A arte, especialmente a de Kirk Henderson, trouxe vida ao mundo de Funkotron…

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Johnson: Exatamente! Kirk era um artista incrível e sua arte deu vida ao mundo. Estamos muito animados com o resultado, mesmo que do ponto de vista de marketing talvez não tenha sido a melhor estratégia, pois desorientou os fãs que esperavam uma sequência. Mas não me arrependo, pois criamos um jogo muito legal.

Às vezes, restrições podem estimular a criatividade. Se você tiver total liberdade, pode acabar repetindo coisas que já fez. Mas se alguém diz que deve ser de uma determinada forma, você começa a pensar fora da caixa.


Retrogamer Brasil: Também ouvimos sobre um acordo com a GT Interactive para trazer um terceiro jogo do ToeJam & Earl para o N64. Alguma coisa foi realmente feita?

Johnson: Foi mais uma conversa do que um projeto concreto. Não consigo lembrar dos detalhes, mas os fãs costumam se empolgar com coisas que não refletem necessariamente o que estava acontecendo. Fizemos uma versão para Dreamcast de ToeJam & Earl III e já estávamos a cerca de dois terços prontos, mas ela acabou se perdendo e só foi encontrada depois.

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Retrogamer Brasil: Qual é a sua opinião sobre a preservação de jogos?

Johnson: Estou super de acordo! Estou animado que as pessoas tenham acesso a isso. Odeio segredos e amo o fato de que as pessoas se interessam pela história dos jogos. A história da ToeJam & Earl faz parte dela, e estou honrado por fazer parte disso.

Desde 1982 estou na indústria, quantas pessoas podem dizer isso? É legal estar ligado à história e fico animado quando as pessoas falam sobre meu trabalho. Na verdade, entrei nesse mundo porque achava que seria divertido. Quando comecei, tinha planos diferentes, mas nunca esperei ter um impacto tão grande na vida das pessoas.

Recebi muitas mensagens de fãs ao longo dos anos, muitos deles tocados pela experiência que tiveram com os jogos. Isso me motiva a continuar.

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Agradecemos a Johnson por dedicar seu tempo para essa conversa!

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