Como uma HQ Cult Sobre um Coelho Samurai Se Tornou um Clássico do Commodore 64

Luciano RochaRedação
8 min de leitura

Criado pelo talentoso artista de quadrinhos Stan Sakai, nascido no Japão e radicado nos Estados Unidos, Usagi Yojimbo é uma obra icônica que fez sua estreia em 1984. Inicialmente apareceu como uma tira de quadrinhos na antologia Albedo Anthropomorphics, de Steve Gallacci, e posteriormente em edições da revista Critters, publicada pela Fantagraphics Books. Em 1987, o personagem ganhou sua própria série de quadrinhos, acompanhando as aventuras de Miyamoto Usagi, um coelho samurai que realiza uma peregrinação pelo Japão no período Edo, cercado por caçadores de recompensas, clãs de ninjas e uma variedade de monstros inspirados no folclore japonês.

Embora não tenha alcançado a mesma fama que as Tartarugas Ninja (criação de Kevin Eastman e Peter Laird, que também surgiu em 1984 com animais antropomórficos e armas inspiradas no Japão), Usagi Yojimbo conquistou um lugar especial no coração dos fãs e é amplamente respeitado. O quadrinho já foi adaptado para outros meios, incluindo um popular jogo de computador desenvolvido pela Beam Software, da Austrália (também responsáveis por títulos como The Hobbit e Shadowrun), para o Commodore 64. A capa do jogo para C64 apresenta uma arte retirada da edição 6 de Anything Goes, outra antologia de quadrinhos da Fantagraphics.

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Lançado em 1988, Samurai Warrior: The Battles of Usagi Yojimbo é um jogo de aventura em 2D que surgiu de uma equipe pequena dentro da Beam, composta pelo designer Pauli Kidd, o programador Doug Palmer, o artista Russel Comte e o compositor Neil Brennan. Neste jogo, os jogadores controlam Miyamoto Usagi, o coelho ronin das histórias de Sakai, cuja missão é navegar por emboscadas, covis de monstros e outros cenários perigosos em busca de resgatar o jovem daimyo Lord Noriyuki, sequestrado por uma gangue. A crítica da época descreveu o jogo como “extremamente divertido” e “superior a muitos outros jogos de artes marciais”, tornando-se um sucesso para a desenvolvedora australiana e garantindo uma vaga especial na lembrança de muitos jogadores.

A equipe de desenvolvimento, motivada pelo carinho pelo projeto, conversou sobre a concepção do jogo e algumas das ideias incríveis que, infelizmente, foram deixadas de lado. O primeiro ponto a ser definido foi a mecânica de combate, fundamental para a experiência. Assim como nos quadrinhos, Usagi empunha uma espada samurai no jogo, e a equipe se esforçou para criar um sistema de combate mais sofisticado, refletindo a dramaticidade e a qualidade das épicas batalhas das histórias de Sakai.

O foco foi garantir que o combate tivesse mais nuances do que os típicos jogos de “um botão, um resultado”. O sistema final permitiu aos jogadores realizar ações como parry, deslizamentos laterais e ataques devastadores aéreos, dependendo das entradas fornecidas. “A luta com a espada precisava ser a alma do jogo”, afirma Kidd. “Investimos muito desenvolvimento para criar uma experiência de combate que fosse única, divertida e que mantivesse o estilo dos quadrinhos.”

Se você já jogou Usagi Yojimbo, deve saber que o combate não é a única atividade presente. O jogador alterna entre dois modos de controle: pacífico e violento. No início, Usagi carrega sua espada embainhada, movimentando-se mais devagar e realizando apenas interações não letais. Ao sacar a espada, torna-se mais ágil e pode atacar, com uma trilha sonora mais rápida indicando essa transformação.

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Diferente de outros títulos da época que incentivavam os jogadores a correr e eliminar tudo, Usagi Yojimbo pede que se pense antes de agir. Durante a jornada, os jogadores encontram não só ninjas e caçadores de recompensas, mas também sacerdotes, nobres e camponeses. Atacar essas figuras afeta negativamente o karma do personagem, podendo levar Usagi a cometer seppuku se o valor cair abaixo de zero.

Essa abordagem única estabelece um convite à reflexão sobre quando sacar a espada. “Eu queria um jogo que pudesse enganar o jogador, provocando-o a falhar”, diz Kidd. “Um jogo que fizesse você pensar! O estilo de ‘eliminar tudo’ torna-se monótono, e o ethos samurai de honra e karma é central na história, por isso busquei preservar essa mensagem!”

Em uma entrevista de 2006 à Retro Gamer, Palmer compartilhou que, além do desejo de refletir o caminho do samurai, ele e Kidd estavam um pouco cansados da abordagem tradicional nos jogos de RPG, onde sempre se optava pela ‘arma maior’. Pauli desenvolveu essa temática em seus RPGs em papel, como Albedo e Lace & Steel, onde mecânicas sofisticadas lidavam com relacionamentos pessoais.

Por conta dessa decisão de evitar a violência excessiva, os jogadores são incentivados a interagir de maneira mais amigável, sendo o gesto de se curvar um dos mais comuns ao encontrar personagens não violentos. Há até uma história curiosa sobre uma instrução no jogo que dizia “mate Buda”, que deixou um crítico confuso, pois ele não conseguiu encontrar “um Buda para matar”. Essa anedota foi provavelmente uma brincadeira mal interpretada.

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Além dos gestos de cortesia, é possível realizar diversas atividades em modo pacífico, como usar o dinheiro coletado para apostas, comprar comida e fazer doações a sacerdotes ou camponeses. Curiosamente, o clã Mogura apareceu pela primeira vez na narrativa “Homecoming” da Critters, onde Usagi revisita sua cidade natal e seu primeiro amor, Mariko.

Durante as conversas com Kidd e Palmer, ficou evidente que várias funcionalidades planejadas foram cortadas na versão final do jogo para caber no C64. Palmer já mencionou que Russel Comte criou algumas artes do clã Mogura que deveriam aparecer como inimigos adicionais. Kidd também compartilhou detalhes sobre esses cortes: “Deveria haver muito mais coisas”, afirma ela. “Salvar cavaleiros arrastados por cavalos, escoltar reféns e vê-los voltar são apenas algumas das várias ramificações de design que acabaram sendo excluídas.”

Apesar dos recortes, a equipe mantém orgulho do que foi realizado. E têm motivos para isso, já que o jogo recebeu ótimas críticas da imprensa da época, com 91% na revista Zzap!64 e 90% na Crash Magazine, onde foi descrito como “simplesmente encantador”.

No mesmo ano em que foi lançado para o Commodore 64, duas conversões foram feitas para o Amstrad CPC e ZX Spectrum, sob responsabilidade da Source Software. A versão de ZX Spectrum contava com uma interface mais detalhada, mas apresentava gráficos monocromáticos e um notável silêncio musical.

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Para Palmer, Samurai Warrior: The Battles of Usagi Yojimbo foi “sua despedida” dos jogos, enquanto Kidd viu ali um nítido nutrir de sua paixão pelas artes e culturas japonesas, algo que a acompanha até hoje: “Acabei me tornando uma verdadeira especialista em história e mitologia japonesa”, revela. “O jogo de Usagi Yojimbo, sem dúvidas, foi um marco inicial nessa jornada, e até hoje mantenho contato com Stan Sakai.”

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